quinta-feira, setembro 09, 2004

Crónicas de uma vida IV

Hoje assisti a algo que de certeza me vai marcar e acompanhar por muitos e muitos anos. Bom, mas mais vale começar pelo princípio para que apanhem tudo.

Um dia igual a muitos outros, à excepção de uma coisa que agora não interessa nada.
Lá vim eu para o trabalho no tal chaço que o seguro me emprestou, um Punto 1.2, que tanga de carro, mas enfim... Cheguei onde costumo deixar o carro, em frente ao Centro Comercial Gemini, em Entre Campos, por volta das 9:45h e estacionei atrás de um outro Punto Verde. O carro chamou-me a atenção por ter o farol traseiro esquerdo partido e estar colado com fita cola.

Reparei que no banco de trás estava um puto com certa de 3/4 anos a brincar com um boneco. Sentado à frente estava quem eu assumo que seria o pai. Quando saí do carro para ir então para o edifício onde trabalho, e ao passar pelo carro, só aí vi o que estava a acontecer. O tipo estava a dar na “prata”. Lá estava ele com o isqueiro a queimar aquela merda e a “chupar” tudo por uma nota enrolada. Mas isso nem foi o que realmente me impressionou, mas sim a atenção com que o puto que estava no banco de trás. A olhar para que o pai estava a fazer.

Tudo isto foi uma fracção de segundo, tudo se passou num virar da cabeça quando ouvi o barulho do isqueiro.

Não houve problemas em estar à vista de todos, mas o que me impressiona mesmo é o miúdo. Já tinha visto cenas destas em filmes e documentários, e até imaginado ao ler certos livros, mas neste caso não havia nenhuma câmara a filmar, é a pura, dura e crua realidade. E que merda de realidade. A cegueira de ter a dose dele fê-lo descer ao ponto de esquecer que no banco de trás está uma criança, uma criança que como todas as crianças terá a tendência que querer imitar os adultos, e em particular os pais. Caraças, um puto?! Era um puto! Eu nem sei a quantidade de coisas que me passaram pela cabeça, desde lhe pregar um murro a chamar-lhe a atenção ao que estava a fazer, até mesmo a chamar a polícia (nem era preciso ligar, porque uns metros à frente estava um carro da PSP parado num semáforo. E o que acabei por fazer? Nada, não fiz nada, mas o que podia eu fazer?

É triste ver alguém chegar a este extremo, ao extremo de se despreocupar com a família, com os filhos para sustentar uma merda de vício que assim como ele aspira a droga, lhe vai aspirando a vida, a família, os amigos, o emprego, enfim, as pessoas de quem se gosta.

Acreditem que já vi muita coisa na vida, coisa boas, coisas más, coisas extremamente desagradáveis, mas nada me marcou como esta imagem. Tudo bem que possam dizer que esta é uma imagem real, e normal, mas acreditem, uma coisa é saber que existe, e outra é presenciar.
Ainda fiquei a pensar nisso. Será que consigo imaginar o que se estava a passar na cabeça daquele puto? Será que o facto de estar a presenciar aquilo, esta e outras vezes, certamente, lhe iriam alterar o futuro? De certeza, quanto a isso não tenho a menor dúvida. Não tenho a menor dúvida que a não ser que a sua pequena vida leve uma mudança, que o destino já está traçado para ele.

Desculpem lá, mas fico-me por aqui, isto marcou-me mesmo...

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